O Tropeiro

"O Sertanejo é um forte assim também é o tropeiro"
Quero prestar aqui homenagem especial a todos esses heróis anônimos que ajudaram no desenvolvimento e progresso da região de Tucano.
No inicio do século XIX (1802) o Arraial, depois Vila de Tucano, pertencente a vila de Itapicuru de cima, possuía 180 casas (provavelmente de madeira) e 1734 indivíduos ou habitantes.
O Arraial necessitava ser abastecido por gêneros, transportados no lombo de mulas, únicos animais que conseguiram resistir com carga a percorrer grandes distâncias, uma vez que não existia outro meio de transporte na época.
Aos grupos de animais reunidos para esse fim, dava-se o nome de "tropas" e aos seus condutores tropeiros.
Eles enfrentavam com suas tropas as intempéries da vida como sol, chuva, animais peçonhentos, perigos da própria natureza ao atravessarem rios cheios, caminhos impraticáveis, escuros e estreitos devido ao traçado das estradas no interior do Brasil - mal conservadas, extremamente estreitas e sinuosas. Apenas a mula de carga reunia condições de trafegar uma de cada vez pelos tortuosos caminhos para os pontos de onde seguiam os mercados consumidores.
Citamos aqui alguns tropeiros heróis que viveram no século passado: Anelino Gonçalves dos Reis (Avô do Mamu), Domingos Pereira de Andrade (Pai do poeta Antonio Pereira de Andrade), Manoel Cheri de Poço Redondo, José Maria de Morais (avô de Ernestino), Tomás de Jesus de Caldas do Jorro, José Francisco (Zé Lucas) e Manoel Apolinário de Olhos D'Água, distrito de Tucano e tantos outros.
Conversamos com Tomás de Jesus há oito anos atrás com seus 82 anos de idade - ele chorava quando começava a relembrar aqueles tempos, dizia após uma pausa: " Era uma tropa com 12 mulas. A mula da frente, a madrinha do lote como era chamada, toda enfeitada com tiras de pano vermelho sobre a cangalha e pendurados ao pescoço os cincerros, sininhos presos ao peitoral de couro, que balançavam quando a madrinha andava, produzindo um som característico (tilintavam), marcando os passos cansados dos animais"
Partiam para Jacobina, Feira de Santana, Irará, Miguel Calmon, levando feijão, farinha e outros produtos.Traziam o que era necessário como açúcar, cachaça, café e fumo. Pernoitavam quando alcançavam a próxima cidade ou lugarejo. Era a chamada marcha inteira.
A tropa era tão treinada que ao chegar no seu destino fazia uma evolução, dava meia volta, ficando em posição de descarregar as mercadorias na venda. Essa integração homens e muares é o que chamamos de tropeirismo.
Também conversamos com os senhores José Francisco (Zé Lucas, 94 anos), com ajuda de sua filha (Ereny Maria da Silva Santos) e com o Manoel Apolinário, os quais nos disseram que suas tropas eram compostas de 4 mulas e 2 burros. A mãe do lote tinha o nome de realeza ou fantasia, os outros chamavam - se gasolina, mimoso - que era o mais velho - Paquita, Boneco e Jeitosa. Eles saiam de olhos D'Água com o destino ao Conde, aqui na Bahia.
Partiam com a tropa carregada de feijão e iam vender na praia de Ribeira do Conde, e voltavam com o tropa carregada de coco para vender na feira da vila deTucano. Uma parte desse coco era entregue a André de Zeferino que a transportava a burro para Triunfo (Quijingue), onde tinham as melhores doceiras da região. Essa tropa que saia de Olhos D'Água demorava oito dias para chegar a Ribeira do Conde.
O primeiro ponto de apoio era no Buri, distrito de Cipó no Taboleiro a fim de que a tropa pudesse comer agreste e beber água no rio Itapicuru. A segunda parada era no Paiaiá que fica no município de Nova Soure. O terceiro ponto de apoio era no Mucambo que hoje se chama Olindina. O quarto ponto era no rio Sucupira, onde sua tropa comia capim e milho. Os tropeiros José Francisco (Zé Lucas) e Manoel Apolonário alimentavam-se de jabá e farinha com rapadura. A água que bebiam era das folhas do gravatá. O quinto ponto era em Altamira e o sexto e último era no seu destino: Ribeira do Conde.
De Volta os tropeiros faziam o mesmo roteiro e acrescentavam mais dois itens na sua alimentação: o coco e o peixe. Suas tropas ficavam 15 dias em repouso para voltar a mesma atividade.
O tropeiro deveria ser capaz de resolver inúmeros problemas durante a viagem. As longas jornadas exigiam que ele fosse médico, soldado, caçador, pescador, cozinheiro, veterinário, negociante, mensageiro e agricultor.
Além do seu importante papel na economia, o tropeiro teve também importância cultural relevante como veiculador de idéias e noticias entre as aldeias, vilas e comunidades distantes entre si, numa época em que não existiam estradas no Brasil.
Até hoje ainda guardamos na nossa região, vestígios da influencia dos Tropeiros, não só na culinária, mas também na linguagem do homem do campo:
- Apear: descer da montaria.
- Arranchar: pousar, descansar no rancho.
- Arreio: peça principal do arreamento de montar, que corresponde à que em geral se chama sela.
- Cangalha: conjunto de peças de madeira e couro, colocadas sobre o burro para a acomodação da carga.
- Pisadura: ferida no lombo dos animais de sela causada pelo roçar de arreios e tantas outras palavras.
Quando eu era criança e ia passar férias com meus avós no Poço Redondo, distrito de Tucano, há 60 anos atrás, o ricaço de lá era o Sr. Manoel Cheri, dono de uma tropa de mais de 12 mulas, que para mim e a criançada, era uma diversão vê-la tendo à frente a madrinha que pelo tilintar dos cincerros (sinos), sabíamos que estava próxima a chegar, (como é bom ser criança!...).
As tropas eram constituídas de 4 figuras básicas em seu aspectos humano: o Tropeiro, o arrieiro ou capataz, o camarada e o cozinheiro.
- O Tropeiro - era o dono da tropa, o patrão.
- O Arrieiro - era o homem de toda confiança de seu patrão. Não admitia pendências quando da saída da tropa. Supervisionava meticulosamente todas as operações além de tomar todos os cuidados, em marcha ou no pouso.
- O Camarada - era quem fazia trabalho mais duro e perigoso da tropa chamava-se também tocador ou tangedor, seu único instrumento de trabalho durante a marcha era um galho de alguma planta verde. Vestia-se pobremente de calça arregaçada até ao meio da perna, camisa de tecido barato e chapéu na cabeça. Cuidava de um lote de muares sempre a pé.
- O Cozinheiro - viajava montado, pois teria que chegar antes da tropa com seus apetrechos de cozinha.
Eles tiveram um papel importante na nossa história, pois além de desenvolver o comércio e aproximar lugares, prestavam também serviços de mensageiros, não só de cartas comercias como também bilhetes amorosos.
Uma outra característica marcante do tropeiro era a religiosidade. Não era sem razão que todo tropeiro deste Brasil ao passar diante de uma igreja ou da mais humilde capelinha, declamasse ou cantasse um pequeno verso que em verdade, era uma oração de agradecimento ao poder maior:

onde Deus fez a morada,
onde estão o cálice bento
e a hóstia consagrada.’’
Rubens Rocha
Colunista do Bode Assado